Share |

38 ANOS DEPOIS, É URGENTE DEFENDER ABRIL!

25 de Abril 1974

Comemora-se este ano o 38º aniversário da Revolução que, a 25 de Abril de 1974, encheu de esperança muitas e muitos portugueses e portuguesas, instaurando a democracia e pondo fim a uma longa noite de quase 50 anos.

“Esta é a madrugada que eu esperava/ O dia inicial inteiro e limpo” - assim chamou Sophia de Mello Breyner  ao dia da liberdade. 

38 anos depois, o 25 de Abril tornou-se, por assim dizer, o dia a dia. É a liberdade de cada dia. Mesmo para aqueles que não sabem o que foi o 25 de Abril. Ou para os que, sem o pôr frontalmente em causa, tudo fazem para que pouco a pouco seja esquecido, minimizado ou deturpado.

Por isso, todos aqueles que fazem de conta que hoje é um dia como os outros estão, sem o saber, a comemorar o 25 de Abril. Porque foi o 25 de Abril que restituiu a todos os portugueses, mesmo àqueles que são contra ele, o direito de viver sem medo, de falar sem medo e, sobretudo, a liberdade de discordar sem medo.

Não se pode exigir que as novas gerações vivam o 25 de Abril como aqueles que sofreram a Ditadura e a ela se opuseram. Para os que nasceram depois, o 25 de Abril já faz de certo modo parte deles, é quase como ar que respiram. Talvez não sintam a necessidade de o comemorar como as mulheres e os homens da minha geração, para quem o 25 de Abril continua a ser e será sempre o dia mais belo das nossas vidas.  

Mas passados 38 anos, é tempo de a democracia portuguesa cumprir uma das principais obrigações, que é a de assumir com clareza a sua matriz fundadora e a de fazer a pedagogia dos seus próprios valores. Por isso é, hoje mais do que nunca, urgente tirar o 25 de Abril de uma espécie de clandestinidade a que durante um certo tempo foi constrangido.

É também por aí que passa a reabilitação da política e a reconstrução da esperança. Hoje, passadas quase quatro décadas sobre essa bela madrugada, dizer que ainda estão por cumprir os sonhos de Abril é, mais do que um lugar-comum, assumir que há ainda um longo caminho a percorrer para dar ao povo português as condições de vida que todas e todos merecemos.

Se a meio da década de 70 éramos um povo pobre, pouco instruído, a viver num país pouco desenvolvido e onde o acesso à Saúde e à Educação era um privilégio à disposição de muito poucos, o que somos hoje em dia? O número de famílias a viver no limiar da pobreza não pára de crescer.

As sucessivas políticas de direita levadas a cabo pelos diversos governos deixaram todo um povo à beira de uma depressão. Os mais de 1 milhão de desempregados (que por si só representam mais de 20% da população activa em Portugal) são disso mesmo um dos mais evidentes resultados. As medidas de austeridade, são verdadeiras afrontas às conquistas de Abril, as políticas impostas pela troika e pela coligação ultraliberal deste governo PSD/CDS são a mais evidente prova disso mesmo.

Serão, novamente, os mais carenciados a sustentar a crise, enquanto os senhores do dinheiro continuarão a ser poupados a isso, mesmo sabendo que é sobre as suas consciências que deverá pesar a culpa por nos encontrarmos na situação actual.

A crise actual, resultado da falência de um sistema e da crise estrutural de outro, exige uma nova lógica na economia, outra dimensão na política, outra perspectiva global que tenha o homem como razão de ser.

Ousar o possível é ousar esse novo humanismo.

E por isso é preciso recuperar um certo espírito do 25 de Abril, que não foi só precursor e pioneiro do que aconteceu mas do que ainda não aconteceu. Não no sentido de voltar às utopias irrealizáveis, embora nós pensemos, como se dizia em Maio de 68, “devemos ser realistas, isto é - exigir o impossível”. Mas o que ainda não aconteceu foi ousar o possível. E ousar o possível é não aceitar, sob o pretexto da chamada crise, uma ordem económica única, um pensamento único, um sentido único. Porque isso é também uma forma de colonialismo e totalitarismo. O colonialismo imposto pela lógica do mais forte. 

A crise da chamada “melancolia democrática”, traduzida pela indiferença e a descrença perante a política, não se resolverá apenas com reformas institucionais e eleitorais. Só se resolverá voltando a dar à política uma dimensão humanista e uma perspectiva de transformação do mundo e da sociedade.

Era esse o projecto do 25 de Abril. E por isso digo que ele foi precursor não só do que aconteceu mas do que ainda não aconteceu.  Porque, não haja dúvidas. Como já se viu no descontentamento popular, mais cedo ou mais tarde vai acontecer.

O que o 25 de Abril nos ensinou é que há uma outra dimensão das coisas. E que a alma de um país pode ser maior que o seu tamanho. E nós cá estaremos a lutar para que assim seja.  Porque é esse o tamanho que precisamos de voltar a ter: o tamanho, como dizia Natália Correia, da nossa “alma transportuguesa”.

Que é, ao fim e ao cabo, o tamanho e o espírito do 25 de Abril.

Hoje aqui estamos para celebrar a Revolução! Mas nos restantes dias do ano por cá nos manteremos, conscientes de que muitas e muitos portugueses continuarão a ver em nós uma voz activa na defesa dos seus direitos e liberdades!

Silvestre Gago/Bloco Loures