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Loures: é tempo de isolar a extrema-direita “laranja"

Fabian Figueiredo é sociólogo e candidato do Bloco de Esquerda à Câmara Municipal de Loures

As eleições autárquicas em Loures saltaram para os escaparates nacionais. No sexto maior concelho do país, um dos mais interculturais da Europa, o discurso da extrema-direita populista apresenta-se a votos sob a sigla do PSD.

Em Portugal, as derivas extremistas da direita são observadas como um fenómeno estrangeiro. O país parece imune a este vírus, contudo, a direção do PSD e Pedro Passos Coelho, em particular, decidiram fazer desta campanha eleitoral um laboratório eleitoral à “trumpificação” da direita portuguesa.

Ao segurar André Ventura e desculpar permanentemente as suas declarações incendiárias e discriminatórias, o ex-primeiro-ministro sinalizou ao país que o principal partido do centro-direita em Portugal passou a conviver tranquilamente com candidatos que mimetizam Marine Le Pen e Donald Trump. Nem depois de o CDS ter batido com a porta à coligação, e o PNR lhe ter aparecido à janela, a opinião mudou.

André Ventura cumpre a cartilha ideológica da nova vaga europeia e norte-americana da direita autoritária. Salta imediatamente à vista a defesa da prisão perpétua ou a reintrodução da pena de morte (num país que acaba de celebrar os 150 anos da sua abolição), a militarização da polícia e o preconceito racial mais primário contra minorias étnicas, sejam ciganos lourenses, jovens afrodescendentes da Cova da Moura ou o conjunto dos europeus de religião muçulmana.

Tal como noutras paragens, também em Loures a consideração da realidade e dos factos tornou-se facultativa. O candidato do PSD desdobra-se em declarações e entrevistas, criticando a atuação do atual executivo da Câmara Municipal de Loures em áreas como o Turismo e a Segurança. A ironia é que a tutela destes pelouros na câmara foi entregue pela CDU... ao PSD, no acordo de governação firmado em 2013. São os factos alternativos à moda de Loures. Ventura poderia ser um crítico empenhado em inverter o curso do PSD nestes quatro anos, mas não é o caso. O vereador em causa, Nuno Botelho, é o seu mais do que previsível número dois à Câmara Municipal de Loures.

Há um ano, Nuno Botelho condecorou a Pastoral Cigana com uma Medalha de Mérito Municipal, elogiando o trabalho de “aproximação ao cigano/não cigano, no desenvolvimento do diálogo, na procura do entendimento e na compreensão das características culturais específicas e das normas de conduta, das necessidades desta população nacional”. Os vereadores do PSD e os seus deputados municipais realçavam o trabalho desenvolvido nos Bairros da Quinta da Fonte e do Mocho, ao abrigo do Contrato Local de Segurança, chegando até ao ponto de convidar directamente os cidadãos a visitarem as galerias de arte urbana que passaram a colorir as paredes dos prédios. Aliás, a criminalidade grave e violenta tem vindo a baixar no concelho — só no ano passado baixou 20% — e o número absoluto de crimes baixou radicalmente na última década, ficando atrás de municípios como Lisboa, Porto, Sintra, Cascais, Gaia ou Matosinhos.

Mas não é só no tema da segurança que Ventura se alimenta de factos alternativos. Em declarações recentes, apresentou o problema dos utentes de Santa Iria de Azóia que, para se deslocarem até ao Hospital de Loures, teriam de apanhar três autocarros. Sucede que basta apanhar dois, e que o hospital de referência daqueles utentes é o Santa Maria e, em breve, pode passar a ser o Hospital de Todos-os-Santos.

Ventura não cita dados concretos, nem estatísticas ou estudos. A verdade é um detalhe dispensável nesta forma de fazer política. A campanha do PSD em Loures poderia estar a ocorrer em qualquer outro concelho da Área Metropolitana de Lisboa com uma sociologia eleitoral semelhante.

Ao insistir na candidatura de André Ventura, o PSD normaliza o inaceitável. As restantes candidaturas terão de dizer se aceitam dar cobertura à extrema-direita “laranja”. A pergunta é muito clara: que candidaturas estão disponíveis para integrar executivos onde esteja este PSD ou para integrar este PSD nos seus executivos? Em nome do humanismo, da tolerância e da inclusão, o Bloco nunca o fará. É o tempo próprio para Bernardino Soares (CDU) e Sónia Paixão (PS) esclarecerem as suas posições.

Artigo publicado no jornal Público, 28/7/2017.