Ser trabalhador-estudante não é apenas lidar com o pagamento das propinas, nem apenas tentar conjugar o trabalho com os estudos. É uma batalha constante e diária para assegurar a garantia dos seus direitos.
O Bloco de Esquerda viu aprovada, no último Orçamento do Estado, uma medida que permitirá a descida do teto máximo das propinas em 212€, fixando-o em 856€, já a partir do próximo ano letivo. Foi a primeira redução do valor das propinas desde a sua criação, em 1992.
Durante muito tempo, falar na redução do valor das propinas era um assunto “tabu”, mas o Bloco lá esteve para travar essa luta. Defendemos não só a redução do valor das propinas, como trabalhamos para que as mesmas sejam abolidas. Não é demagogia. Não é um objetivo irrealista ou ingénuo. É justo. É possível.
Na recente Convenção Nacional do Ensino Superior 2030, o próprio ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, defendeu serem necessárias políticas que garantam a redução dos custos das famílias com filhos no ensino superior, admitindo mesmo o fim das propinas. Também o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou concordar “totalmente” com a ideia de se caminhar para o fim das propinas no ensino superior.
Mas, no decorrer deste debate, há um grupo de estudantes que vão sendo deixados para trás: os trabalhadores-estudantes.
Ser trabalhador-estudante não é apenas lidar com o pagamento das propinas, nem apenas tentar conjugar o trabalho com os estudos. É uma batalha constante e diária para assegurar a garantia dos seus direitos, batalha essa que muitas vezes é ingrata.
O estatuto de trabalhador-estudante, contempla vários direitos que têm como finalidade permitir que uma pessoa consiga estudar e trabalhar ao mesmo tempo, como:
-as entidades empregadoras devem elaborar horários de trabalho especiais para os trabalhadores-estudantes, com flexibilidade ajustável à frequência das aulas, ou seja, o aluno tem direito a um horário flexível;
- o trabalhador-estudante tem direito a faltar, por justa causa, por motivo de realização de prova de avaliação.
Quem for trabalhador-estudante, ou conheça alguém que seja, sabe que a realidade é bem diferente. Muitas vezes, as entidades patronais não cumprem os seus deveres e exercem pressão e assédio sobre os trabalhadores-estudantes e estes, não denunciam por medo de perder o seu trabalho (que para muitos é a sua única fonte de rendimento).
É também importante mencionar que nem todos os trabalhadores-estudantes têm um contrato de trabalho, muitos são precários e não podem sequer pedir este estatuto. Isto faz com que seja muito complicado ter o aproveitamento mínimo para a renovação deste estatuto (aproveitamento em pelo menos metade das disciplinas), o que faz com que muitos desistam dos seus estudos. Mas, como se isto não bastasse, acresce também o problema das bolsas de estudo.
Para um estudante ter direito a bolsa, o rendimento per capita do agregado familiar, não pode ser superior a 7804,59€. Ou seja, um trabalhador-estudante que receba o salário mínimo, não tem direito a bolsa. Um estudante que aufira o salário mínimo, que pague por exemplo 400€ por um quarto em Lisboa e despenda entre 30 a 40 € em transportes, não tem como pagar os seus estudos.
Reduzir o valor das propinas, foi um momento histórico para o movimento estudantil mas, para garantir um Ensino Superior Público, Universal e Gratuito, as propinas têm de desaparecer. Os direitos de todas e todos os estudantes têm de ser assegurados e permitir que, quem quer estudar, independentemente da sua situação económica ou familiar, o possa fazer.
Artigo de opinião de Rita Sarrico, trabalhadora-estudante e deputada municipal.