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Bloco de Esquerda apresenta queixa de André Ventura à Procuradoria Geral da República

A candidatura do Bloco de Esquerda a Loures decidiu avançar com uma nova queixa contra André Ventura. Fotografia de Vasco Inglez.

Novas declarações racistas e xenófobas de André Ventura ao jornal «i» motivam queixa da candidatura do Bloco de Esquerda em Loures. 

A candidatura do Bloco de Esquerda a Loures decidiu avançar com uma nova queixa contra André Ventura, candidato à Câmara Municipal de Loures pela coligação entre o Partido Social Democrata e o Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP), desta feita à Procuradoria-Geral da República e à Ordem dos Advogados.

A queixa surge na sequência de novas declarações de caráter racista e xenófobo proferidas por André Ventura numa entrevista ao jornal «i» de hoje, em que o candidato volta a atacar a comunidade cigana do concelho de Loures.

Recorde-se que, na passada quinta-feira, 13 de julho, a candidatura do Bloco de Esquerda à Câmara Municipal de Loures já havia feito uma queixa à Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial, na sequência de uma primeira entrevista de André Ventura ao jornal online Notícias ao Minuto.

Leia a queixa na íntegra

Fabian Filipe Figueiredo, sociólogo, candidato do Bloco de Esquerda à Câmara Municipal de Loures vem apresentar queixa-crime contra,

André Claro Amaral Ventura, professor universitário, nos termos e com os fundamentos se-guintes:

1.            O ora denunciado é candidato à Câmara Municipal de Loures pela coligação entre o Partido Social Democrata e o Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP).

2.            No âmbito dessa sua candidatura, André Ventura concedeu, no dia 12.07.2017 uma entrevista ao jornal online “notícias ao minuto” (https://www.noticiasaominuto.com/vozes-ao-minuto/829810/ha-minorias-que-se-acham-acima-da-lei-temos-tido-excessiva-tolerancia),

3.            Tendo, igualmente, concedido nova entrevista, desta feita ao jornal “i”, no dia 17.07.2017.

4.            Nestas entrevistas, o ora denunciado ultrapassa os limites da liberdade de expressão, na medida em que algumas das suas declarações são gratuita e propositadamente discriminatórias para com a etnia cigana.

5.            Senão vejamos:

Diz André Ventura que “temos tido uma excessiva tolerância com alguns grupos e minorias étnicas. Não compreendo que haja pessoas à espera de reabilitação nas suas habitações, quando algumas famílias, por serem de etnia cigana, têm sempre a casa arranjada. Já para não falar que ocupam espaços ilegalmente e ninguém faz nada. Quem tem de trabalhar todos os dias para pagar as contas no final do mês olha para isto com enorme perplexidade.” (excerto da entrevista do dia 12.07.2017).

7.            Como se referiu, passado uma semana (17.07.2017) o ora denunciado concede nova entrevista, desta feita ao jornal “i” onde, quando confrontado com as declarações que se cita no ponto 6., afirma o seguinte: “eu acho, e Loures tem sentido esse problema, que estamos aqui a falar particularmente da etnia cigana. É verdade que em Loures há mais, com uma multiculturalidade grande, mas em Portugal temos uma cultura com dois tipos de coisas preocupantes: uma é haver grupos que, em termos de composição de rendimento, vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado, outra é acharem que estão acima das regras do Estado de direito.”.

8.            E diz mais: “Essa é que é a questão. Dizem-me muitas vezes: “Se os tira de casa, eles vão acampar para o meio da rua ou para a porta da câmara municipal.” É preciso esclarecer o seguinte: o Estado de direito não pode ter medo de grupo nenhum nem de minorias nenhumas, tem de estar acima de tudo. As pessoas ditas “normais” ou da “maioria”, se não pagarem a sua casa ou a sua renda, não são despejadas? A ideia de maioria e minoria inverteu-se a partir do momento em que as minorias se tornaram minorias de privilégio. Isto tem de acabar. A etnia cigana, quer em Loures quer no resto do país, tem de interiorizar o manual do Estado de direito. E o Estado de direito não pode ter medo deles, independentemente das consequências. (…) Para mim, é um problema de igualdade. Temos de ser todos tratados como iguais. A etnia cigana tem de interiorizar o Estado de direito porque, para eles, as regras não são para lhes serem aplicadas. Há um sentimento de enorme impunidade, sentem que nada lhes vai acontecer. (…) Por medo da reação. Por medo de dizerem que estamos a ser “fascistas”, “racistas”, “xenófobos”. Sempre me dei com todo o tipo de etnias. E, por outro lado, o aproveitamento político, sobretudo do espetro da esquerda. Sempre que alguém denuncia isto, acusam-no de racista e começam a falar em políticas de integração. Mas nunca dizem quais. A integração é o quê? Estarem em casas sem pagar, andarem de transportes públicos sem pagar? É não cumprirem a lei?  (…) Seja em que bairro for, até porque a zona da Quinta da Fonte não pode ser diferente da zona do Infantado, é que todos cumpram o estipulado na lei. Quem não cumpre as regras, não pode utilizar espaços públicos. Se eu vou à Loja do Cidadão e não tiro a senha, não sou atendido. Porque é que fico com a casa se não a pago? A Câmara deve apoiar aqueles que precisam, não aqueles que não querem fazer nada. Famílias que perderam emprego, famílias que têm mais de três filhos e não os conseguem sustentar, famílias que não conseguem satisfazer necessidades básicas devido à carga fiscal… Essas famílias é que devem ser apoiadas pela câmara.

9.            Tudo isto foi feito de forma meticulosamente pensada, não se tratando de nenhum desleixe ou excesso de linguagem.

10.          Até porque se fosse um mero excesso, que já seria muito lamentável, o ora denunciado nunca viria uma semana mais tarde reforçar todo o seu pensamento xenófobo.

11.          Ora, como é notório, não estamos a falar de um exercício livre e saudável da liberdade de expressão constitucionalmente garantida, nem estamos no domínio das meras opiniões. Estamos, antes, perante um ataque vil, gratuito e preconceituoso para com as pessoas de etnia cigana que, como tal, é punido pelo Código Penal Português.

12.          De facto, estipula o artigo 240.º n.º 2 alínea b) que “Quem, em reunião pública, por escrito destinado a divulgação ou através de qualquer meio de comunicação social ou sistema informático destinado à divulgação difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, religião, sexo, orientação sexual ou identidade de género, com a intenção de incitar à discriminação racial religiosa ou sexual, ou de a encorajar, é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.”.

13.          Lamentavelmente, o ora denunciando não só difama (ou insulta, cremos até que ambas as condutas são praticadas) as pessoas de etnia cigana, dizendo que estas são beneficiadas quando comparadas com as demais,

14.          como incita explicitamente à discriminação destas pessoas, chegando até a usar de uma ameaça velada quando refere que “temos tido uma excessiva tolerância com alguns grupos e minorias étnicas”.

15.          Toda esta conduta de André Ventura torna-se ainda mais grave pois o mesmo fez questão de, numa primeira fase, reagir à primeira entrevista na sua página pessoal de Facebook mantendo tudo quanto foi dito (já que estava a ser alvo do natural repúdio que a sua entrevista gerou na sociedade portuguesa).

16.          Mas não contente com aquela primeira entrevista, o ora denunciado calculou friamente o próximo passo nesta sua tentativa de incitar o ódio contra as pessoas de etnia cigana, pois aprofundando os motivos da sua xenofobia fez questão de lançar uma série de acusações contra toda a etnia cigana, sem nenhum caso concreto, claro está.

17.          Das duas uma, ou o ora denunciado tem algum crime a denunciar ou está só a manipular a opinião pública na tentativa de tornar a xenofobia algo normal nos dias que correm.

18.          Ora, sabendo-se que o ora denunciado é Professor de Direito – e de Direito Penal !  - sabe muito bem que as suas declarações constituem crime.

19.          Que o ora denunciado discorde da lei, que defenda que deveria haver pena de morte, pena perpétua, e outras coisas mais que perpassam no discurso do ora denunciado, é algo que este só poderá resolver com ele próprio. No entanto, as leis servem para se cumprir, sendo que as declarações que aqui se dão por reproduzidas violam a Constituição da República e o Código Penal Português, em virtude da analogia substancial que se verifica entre os preceitos incriminadores do segundo diploma e os preceitos relativos aos direitos fundamentais do primeiro.

20.          O legislador, com o artigo 240.º do Código Penal, protege a igualdade de todos os cidadãos perante a lei.

21.          O artigo 240.º, n.º 1 alínea a) Código Penal incrimina quem (…) desenvolver atividades de propaganda organizada que incitem à discriminação, ao ódio, ou à violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional (…).”

22.          Já seria grave se fosse um excesso de linguagem, mas aqui trata-se de uma posição discriminatória que é recorrentemente assumida pelo ora denunciado, defendida e difundida pelo mesmo, incitando toda a população portuguesa a deixar de ter a excessiva tolerância que o ora denunciado fantasia e que, por isso, só em algumas mentes preconceituosas existe.

23.          Além desta “excessiva tolerância” o ora denunciado, como se viu, difama as pessoas de etnia cigana a dizer que não são alvos de despejo, que não trabalham, que praticam crimes impunemente, que tomam conta do espaço público impunemente etc….

24.          Tudo isto, reitera-se, com um espaçamento de uma semana, em que inclusivamente o ora denunciante apresentou o caso à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial.

25.          Ou seja, estamos mesmo perante a prática dolosa, friamente calculada, para incitar o ódio contra as pessoas de etnia cigana, algo absolutamente inaceitável num Estado de Direito Democrático e que, como não poderia deixar de ser, constitui crime no ordenamento jurídico português.