O dirigente nacional do Bloco de Esquerda é candidato à Câmara de Loures, apostando num grande resultado que lhe dê entrada na vereação e permita formar uma coligação à esquerda. André Ventura é o seu alvo.Fabian Figueiredo em entrevista ao Jornal I.
O que acha da aliança entre CDU e PSD aqui no concelho?
É uma aliança atípica, muita gente nem queria acreditar. É uma aliança contranatura e, aliás, o fardo está pesado. O caso mais caricato foi o vereador do PSD, Nuno Botelho, que é o braço-direito de André Ventura, ter nomeado para a Unidade dos Serviços Veterinários um jurista que é militante e candidato do PSD, onde devia estar um veterinário municipal. As áreas tuteladas pelo PSD foram áreas muito pobres – no turismo está tudo para fazer; nos direitos dos animais, a herança é desastrosa. As políticas à esquerda concretizam-se com parceiros à esquerda. A CDU pode dizer que o PSD concretizou a política da CDU, é difícil de acreditar.
Tendo em conta o resultado das eleições, era difícil governar de outra forma, porque ou se aliava com o PS – um contrassenso tendo em conta a herança pesada – ou com o PSD, porque o Bloco não elegeu qualquer vereador.
Há várias formas de governar e não passam necessariamente por levar a direita para o executivo.
Formas que garantissem decisões rápidas para resolver esse problema financeiro que havia…
Podia tê-lo feito a partir da Assembleia Municipal, por exemplo, e nenhuma força política se oporia a um plano de recuperação das contas da câmara. A questão é que a CDU escolheu governar com a direita, e esse é um contrassenso. A política de progresso faz-se com forças que se queiram inserir nesse campo, não com pessoas que ataquem essa política, isto é, o PSD dos cortes dos salários nas pensões, que hoje é o PSD da política do ódio.
Tem receio de que o discurso de André Ventura possa cativar mais eleitores do que o que os PSD tem normalmente?
O PSD escolheu o concelho de Loures para laboratório, o André Ventura é o tubo de ensaio de um discurso que era estranho em Portugal, um discurso populista, de extrema-direita, mais identificado com partidos como o de Marine Le Pen, como o de Geert Wilders, como o UKIP de Nigel Farage ou até como o fenómeno político que está por trás de Donald Trump. É um sinal de pequenez do PSD: o PSD ficou tão pequenino que saltou fora o CDS e apareceu-lhe o PNR à janela. É um sinal de desespero político do PSD porque, no campo económico e no campo social, os portugueses perceberam que havia outro caminho e ele está a fazer-se a nível nacional. Agora, o PSD e o André Ventura serão derrotadíssimos no concelho de Loures. Nós temos a plena convicção de que é possível o Bloco de Esquerda ter um resultado histórico e arrumar o PSD.
Quer dizer que vocês estão à espera de eleger vereadores?
Nós somos uma alternativa de governo municipal e estamos prontos para estar na Câmara Municipal de Loures.
Não me respondeu. Qual é o objetivo do Bloco de Esquerda nestas eleições?
É estar na Câmara Municipal de Loures. Respondo-lhe diretamente: se o Bloco de Esquerda não estiver na Câmara de Loures, é uma derrota política.
Um, dois vereadores?
Temos um grande respeito pela decisão dos eleitores, apresentamo-nos para governar a câmara, queremos e estamos preparados para presidir aos destinos do concelho de Loures. O nosso objetivo é estar na Câmara Municipal de Loures com o poder que as pessoas entenderem que o nosso programa deve ter.
Acha que seria possível uma coligação à esquerda em Loures como existe no governo nacional, CDU-PS-BE?
A CDU tem dito no país todo – tenho ouvido o Jerónimo de Sousa com muita atenção – que as maiorias absolutas são más para o país, que é preciso reforçar a esquerda. Estamos de acordo e achamos o mesmo em Loures, achamos que não deve haver uma maioria absoluta de um só partido. Por outro lado, o PS tem dado sinais contraditórios e agora parece ter optado pela autossuficiência. Nós ainda achamos que o PS vai a tempo de inverter esse caminho. Da parte do BE, nunca fugiremos à responsabilidade de oferecer uma alternativa de esquerda estável em Loures. Somos uma força política construtora de pontes, que faz o diálogo à esquerda, que entende que é da riqueza do debate à esquerda que se constroem as soluções mais robustas. Nós nunca deixaremos a Câmara Municipal de Loures perante o fantasma da ingovernabilidade.
Mesmo com uma candidata do PS que tão depressa diz que pode formar uma coligação com o PSD como depois nega essa possibilidade…?
O Partido Socialista não é hoje alternativa para Loures, muito por as pessoas se lembrarem do que foi o PS à frente do executivo durante 12 anos e muito mais do que foi a maioria absoluta do PS no concelho de Loures. O desafio que fizemos a todas as forças de esquerda era que todos nós, desde o início, recusássemos qualquer tipo de entendimento com o PSD e com o André Ventura. Se tivesse existido essa clareza desde o início, não haveria nenhuma figura de estilo que atrapalhasse o discurso tático ou estratégico de nenhum partido à esquerda e, por outro lado, teria sido claro para os eleitores como é que se faz o debate político. Agora é o tempo das eleições, de apresentarmos os nossos programas políticos. No dia 1 de outubro, com a humildade da leitura dos resultados eleitorais, encontraríamos a melhor solução governativa, deixando sempre o André Ventura e a sua candidatura de extrema-direita à porta, que é onde ela merece estar. É principalmente à esquerda, pela tradição política que tem, que neste momento em que somos chamados a mostrar de que fibra somos devemos ser muito claros, recusando qualquer tipo de entendimento com o PSD.
Admite que o facto de haver um candidato como André Ventura lhe trouxe mais notoriedade mediática que uma candidatura municipal em Loures lhe poderia trazer?
Tenho plena convicção de que foi a firmeza do Bloco de Esquerda que mereceu o destaque mediático que mereceu – acima de tudo, reconhecimento da população do concelho, porque nós não hesitámos, e recordamos que estivemos sozinhos no início. Quando André Ventura começou com a sua campanha populista de extrema-direita, estivemos sozinhos. Mais tarde fomos acompanhados por muitas pessoas, até do próprio partido de André Ventura, o PSD, como outras figuras da esquerda e da direita democráticas, e foi essa firmeza que mostrou que o BE fala claro e que é um partido exigente e com convicções fortes à esquerda. Não fizemos nada disto com intenções mediáticas e, aliás, o facto de o Ministério Público ter aberto um inquérito prova que o BE tinha razão.
Há aquela velha máxima de que o tamanho dos nossos inimigos também nos define.
Repare, a esquerda que claudicou perante o avanço da extrema-direita é hoje uma força política irrelevante na Europa. E a direita que cedeu foi ultrapassada nas eleições. Eu observo muito os fenómenos políticos e valorizo-os bastante. Quando olho hoje para o Partido Socialista francês ou para a direita francesa e vejo que foi, por um lado, Sarkozy que abriu o caminho à agenda da extrema-direita e Manuel Valls que lhe deu continuidade, achando que não sendo claros na oposição à extrema-direita e cedendo à sua agenda a conseguimos combater, é um erro que se prova desastroso em todo o lado. E nós aprendemos muito com todos os sinais políticos. A nossa exigência é fazer frente ao avanço político da extrema-direita, principalmente quando ela se apresenta sob a sigla de um dos maiores partidos da democracia portuguesa, que é o PSD. Não é de desvalorizar: uma coisa são movimentos criminosos de extrema-direita, outra coisa é quando o PSD, em Loures, testa um candidato de extrema-direita com um discurso político extremamente agressivo que toca a todos. Não é só a comunidade cigana, são as minorias étnicas, as mulheres, são as outras religiões, os outros credos, são os mais pobres da nossa comunidade, ou seja, não é um fenómeno político isolado este, muito pelo contrário.
Mas dando tanta importância a André Ventura não estamos a fazer exatamente aquilo que ele quer?
Se Passos Coelho – como várias figuras da direita democrática disseram – tivesse deixado cair André Ventura porque vai contra a tradição do seu partido, André Ventura não teria hoje nenhuma importância. Quem lhe deu importância desde o início foi o PSD. Por isso é que isto é um fenómeno político ao qual damos muita atenção e a que damos todo o combate, para demonstrar que as suas propostas políticas são balões de ar quente que se esvaziam por si próprios. Ele não tem nenhuma proposta política para o concelho; aliás, acumula gafes umas atrás das outras. André Ventura aponta o dedo aos outros, mas quando olhamos para as suas listas é o PSD do business as usual, dos lugares, da política mais pequena que todos os cidadãos condenam.
Nuno Botelho, atual vereador do PSD, condecorou a Pastoral Cigana...
Exatamente. Entre outras coisas, o PSD chegou a tutelar a habitação social; mais, é ouvir o que o PSD dizia sobre a habitação social, sobre a redução da criminalidade. Desde 2008 temos uma tendência da diminuição da criminalidade no concelho que foi, aliás, valorizada pelo PSD ao longo do mandato. Onde o PSD antes identificava melhorias da política do concelho e até do ambiente social, hoje fazem--se passar por pequenos rangers do Texas.
Acha que é só um teste deste tipo de mensagens para ver se funciona e adotá-la em termos nacionais?
Eu concordo consigo, retiro-lhe só o “só” porque isto não é coisa pequena, Loures é dos maiores concelhos do país e o PSD é um grande partido.
O BE teve um resultado fraco em 2013, conseguiu apenas 2594 votos…
A situação política em 2013 era muito particular para o BE, havia uma polarização no debate político que hoje não existe. Por outro lado, nós aprendemos muito com esse resultado e temos feito o nosso trabalho de casa, elegemos um deputado municipal e fizemos por cumprir o nosso mandato e apresentámos a nossa alternativa política.
Isso não é reflexo da falta de peso no poder autárquico do BE?
Somos uma força política recente. No poder autárquico, as pessoas valorizam muito conhecer os cidadãos que se candidatam às juntas, às câmaras. É preciso o enraizamento social que depois se transforma em votos. É hoje reconhecido que onde há autarcas do BE se nota a diferença. É um trabalho que se vai fazendo, para o qual é preciso muita paciência. Dou-lhe o exemplo de Torres Novas, onde temos uma excelente candidata a presidente da câmara, Helena Pinto, uma figura política nacional, uma das autarcas mais experimentadas do país, uma pessoa com um currículo cívico imbatível. Também em Alijó temos uma grande expectativa. O BE, hoje, é uma força política a nível nacional com implantação também no interior.
Qual é o grande objetivo do BE para estas autárquicas?
Ter mais mandatos, mais vereadores e mais câmaras municipais, se um dia isso for possível. Temos uma alternativa política clara e lutamos por esse objetivo; agora, essa decisão cabe aos eleitores. Se tiver menos, é uma derrota – já aconteceu de uma eleição para outra, de 2005 para 2009, por exemplo, em vários concelhos, perdermos. Foi o caso de Loures, por exemplo: um dos objetivos em 2009 era eleger mais deputados municipais, entrar na câmara pela primeira vez, e diminuímos, passámos de dois deputados municipais para um. Isso foi uma derrota…
E em termos de câmaras?
Não temos essa contabilidade a nível nacional, somos alternativa política em várias câmaras, em vários concelhos.
Serão estas as grandes eleições autárquicas do BE?
Se olharmos para isto como as escadas, nestas eleições, acho que vamos subir vários degraus.
Se for eleito vereador em Loures, garante que fica?
Já o disse e volto a reafirmá-lo, independentemente do resultado eleitoral que tiver, eu fico.
Fabian Figueiredo em entrevista ao Jornal I.
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