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LOURES: Sessão temática evocativa do Dia da Mulher

LOURES: Sessão temática evocativa do Dia da Mulher

Realizou-se uma sessão temática na Assembleia municipal de Loures evocativa do Dia da Mulher – Cidadania na Igualdade. A intervenção do Bloco ficou a cargo da deputada municipal Ana Sofia Roque: “…O assumir as questões de género, as questões da paridade e da participação das mulheres, contribuiu decisivamente para colocar o combate à violência na agenda política.

Portugal chegou tarde ao combate à violência doméstica. Há mais de 30 anos que já se trabalhava nesta área em diversos países do Mundo e particularmente da Europa, quando as primeiras experiências tiveram início no nosso país...”

Assembleia Municipal de Loures, 9 de Março 09
Sessão temática evocativa do Dia da Mulher – Cidadania na Igualdade

Gostaria de saudar desde já a iniciativa da realização desta assembleia e começar por evocar todas as mulheres que têm agido em conjunto, contribuindo para a luta pelos direitos da mulher, por um país e mundo mais feministas, contra a opressão e descriminação, rompendo com os poderes instituídos, com as morais patriarcais, com as relações de dominação, rompendo com a submissão.

Uma saudação também para todos os movimentos e associações feministas e outras organizações que contribuem diariamente para que haja mudança, transformação social, cultural e política, para que as leis sejam outras e o modo como nos organizamos seja outro, para que o modo como nos relacionamos e amamos seja livre e plural, para que o poder e o estado reflictam igualdade, para que a maternidade seja uma escolha, para que o sexismo não seja a regra, nem o género fonte de discriminação, para que a força seja a da cidadania plena e não a da violência legitimada.            

Se no início do século XX português houve mulheres que irromperam pelo espaço público e puderam conquistar o direito ao voto no seio dos processos emancipatórios trazidos pela república, o debate e a crítica social que questionava o papel da mulher, as condições da sua cidadania, que reclamava direitos e igualdade conheceu depois no Estado Novo não só um retrocesso como se tornou o seu contrário num dos instrumentos do estado fascista para assegurar a dominação. Decretar a discriminação sexual e a submissão das mulheres, convencê-las com o apoio de outras instituições como a igreja ou através da educação oficial de que a família e a maternidade seriam os objectivos máximos da sua realização pessoal, negando-lhes independência, mobilidade, voz ou vontade, conseguiu-se que culturalmente e civilizacionalmente, o país se cristalizasse numa moral conservadora e repressiva para as mulheres da qual ainda hoje, passados 35 anos do 25 de Abril ainda não nos libertámos completamente

No entanto, a nossa vida, a vida das mulheres de hoje é vivida de modo já muito diferente daquele em que viveram as mulheres que não conheceram a democracia.
Existem direitos fundamentais de cidadania que estão assegurados, existe igualdade no acesso à escolas e universidades, as mulheres trabalham e podem ser independentes, existe uma constituição que proíbe a discriminação com base no sexo ou género.

As nossas vidas também são diferentes porque, desde há apenas 2 anos, a Interrupção Voluntária da Gravidez como direito sexual e reprodutivo fundamental está assegurada em Portugal, podemos decidir sobre o nosso corpo, sobre a maternidade, sem que o estado, família ou os outros se possam intrometer, podemos decidir pela nossa consciência e vontade sem o peso do crime, dos julgamentos ou dos tribunais.

Na verdade, a despenalização do aborto levada a cabo por todos nós, homens e mulheres que votaram sim no referendo de 2007, representa um avanço civilizacional notável porque implica o reconhecimento das mulheres como sujeitos de decisão e vontade própria, reconhece-lhes dignidade e permite questionar a ordem de valores que estabelece cidadãos de primeira e de segunda, que divide a sociedade entre aqueles que dominam e dizem como as coisas devem ser e os que são dominados e devem obedecer acriticamente.

Contudo, a actual condição das mulheres é ainda a da discriminação e a da opressão. Gostaria de enunciar três esferas que estabelecidas em rede permitem verificar o que falta em cidadania e igualdade naquilo que são pilares fundamentais da vida colectiva e individual. Refiro-me a dois momentos principais da vida activa, o da representação política e ocupação de cargos de decisão e o do trabalho. A terceira esfera será a da vida familiar, das relações pessoais ou a da privacidade.

Esquematicamente podemos enunciar que as mulheres estão sistematicamente em minoria nos órgãos de representação política, desde o parlamento aos sindicatos, das associações de estudantes aos conselhos científicos nas faculdades; convivemos ainda com a discriminação salarial com base no género, isto é, ainda existem mulheres que trabalham exercendo funções iguais às dos homens mas recebendo menos do que eles só porque são mulheres (a actualidade desta situação é alarmante pois convém lembrar que as mulheres que morreram queimadas na fábrica onde trabalhavam, em Nova Iorque, no dia 8 de Março de 1857, reclamavam isso mesmo, horários de trabalho e salários iguais), e por último, vivemos ainda num país onde a submissão das mulheres aos homens é considerada e serve para legitimar a violência familiar, isto é, no campo cultural a dominação e a opressão ainda prevalecem de tal modo que constituem o modo de relacionamento pessoal e afectivo.

Estas três questões, exemplos de descriminação permitem-nos também pensar sobre o valor e/ou necessidade das leis, da sua aplicação e das condições políticas que as permitem ou advém delas.
No caso da representação política, verificamos um défice democrático que é comum com outros países da Europa embora contrastando com os países nórdicos. Do ponto de vista legal não existe qualquer restrição à participação das mulheres na política em geral. Talvez sejam factores de outra ordem que expliquem esta situação, factores culturais e sociais assentes nas tradições dos papéis feminino e masculino na família, as representações sociais bolorentas de que o espaço político pertence aos homens, ou ainda, os menores apoios públicos na assistência a idosos e na guarda das crianças.

Tornou-se urgente a intervenção do próprio estado na reversão desta situação com vista a um melhoramento da democracia. É neste sentido que se justifica a Lei da Paridade e a sua força política reside na sua proposta social que é a de uma sociedade onde homens e mulheres partilham a vida em igualdade, partilham o poder político e o espaço doméstico. Partilham as ideias, a criatividade, os espaços de trabalho e de lazer.

Consideramos que é essencial que existam outras medidas políticas que complementem uma acção reguladora como esta no sentido da paridade, contudo não nos parece que possamos esperar até que se reúnam todas as condições sociais necessárias para a participação plena das mulheres na vida política. Somos coerentes, construímos listas paritárias ao mesmo tempo que defendemos a rede pública do pré-escolar, por exemplo, ou combatemos a divisão sexual do trabalho também tentando mudar mentalidades.

A questão sobre a diferenciação salarial com base no género ainda se verifica no nosso país ou mesmo a divisão entre trabalho para mulheres e trabalho para homens que é um critério que ainda resiste nas ofertas de emprego. Um estudo da União Europeia, divulgado em Fevereiro de 2007, estima que a diferença salarial entre homens e mulheres seja de 20% em Portugal.

Ainda há um ano atrás, deputadas do Bloco de Esquerda fizeram uma denúncia ao Procurador-Geral da República reclamando intervenção política e dando visibilidade à discriminação laboral a que estavam sujeitas mulheres trabalhadoras no sector da cortiça. Recebiam cerca de 100€ a menos do que os homens, ainda que desempenhando funções iguais e os próprios contratos-colectivos de trabalho de algumas empresas continham, expressamente, diferenciações com base no género na descrição das categorias profissionais e respectivos salários. Esta situação já tinha sido relatada anteriormente ao Ministro do Trabalho Vieira da Silva, sem que se verificasse alguma alteração.

É lamentável que continuem a existir situações flagrantes de discriminação de género, especialmente no meio laboral, ante a passividade das autoridades públicas.            Este é um caso onde o problema não é a ausência de uma lei que estipule igualdade laboral, tanto a Constituição como o Código do Trabalho são explícitos quanto à proibição da discriminação. Este é um caso onde a regulamentação das leis, a verificação da sua aplicabilidade ou uma
Autoridade para as Condições de Trabalho de verdade, são o único garante do princípio democrático – precisamos de política, a base jurídica do estado democrático não basta, os direitos não podem apenas estar, e assim permanecerem virtualmente, nas leis.

Se na vida activa a discriminação ainda existe, na vida conjugal e familiar, nas relações afectivas, dentro de casa, a opressão persiste. A média do ano de 2008, em termos de homicídio conjugal, leva-nos a concluir que uma mulher em cada semana é assassinada pelo seu marido ou companheiro. Uma das piores estatísticas da União Europeia.

Durante décadas, as questões relacionadas com a violência sobre as mulheres eram questões “paralelas”, que não assumiam importância na luta política, embora, sobretudo organizações e movimentos feministas batalhassem para retirar a discriminação e a violência contra as mulheres do mundo privado das famílias e por dar voz e rosto às vítimas, ao colocar esta barbárie na esfera pública.

Esta evolução está associada à maior e mais visível participação das mulheres na sociedade em geral e na política em particular. O assumir as questões de género, as questões da paridade e da participação das mulheres, contribuiu decisivamente para colocar o combate à violência na agenda política.

Portugal chegou tarde ao combate à violência doméstica. Há mais de 30 anos que já se trabalhava nesta área em diversos países do Mundo e particularmente da Europa, quando as primeiras experiências tiveram início no nosso país. Embora a primeira Lei sobre esta questão date de 1991, foi sobretudo a partir do ano 2000, que se deu o impulso mais significativo. Logo no início do ano 2000, por unanimidade e por proposta do Bloco de Esquerda a Assembleia da República aprova a violência doméstica como crime público.

A maior visibilidade dos centros de apoio às vítimas e das campanhas contra a violência doméstica fizeram muitas mulheres perder o medo e avançar com denúncias e queixas, mas a resposta do lado judicial deixa-as muitas vezes entregues à sua própria sorte.
Numa edição de Fevereiro deste ano do jornal Público os números publicados mostram que apenas cerca de 2% das denúncias dão de facto origem a uma condenação.

O Bloco de Esquerda tem apresentado diversos projectos de lei que permitem aperfeiçoar a lei já existente e garantir maior protecção às vítimas, refiro-me à possibilidade de detenção dos agressores fora de flagrante delito, à implementação de pulseiras electrónicas de modo a impedir os agressores de se aproximarem das vítimas (uma medida que permitiria que não fosse a mulher agredida a ter de sair de sua casa) a proposta de criação de Juízos de Competência Especializada na área da violência doméstica e o reforço da protecção das vítimas, entre muitas outras propostas.

Sobre a nova lei, proposta pelo governo, que será discutida na especialidade, o Bloco de Esquerda entende que ela peca por não considerar a especificidade da violência doméstica sobre a mulher, diluindo-a num diploma mais geral. Consideramos que este crime não pode ser invisível, menorizado, misturado com outras situações de violência. Todas elas condenáveis, é certo. Mas, para garantir a eficácia do combate a todos os crimes há que combatê-los nas suas características concretas.

Apelamos a um envolvimento de todas e todos    na discussão deste documento e desta problemática. Este é o caso onde terão de existir leis que forcem a alteração dos comportamentos e que impulsionem transformação social.
A cidadania e a igualdade são indissociáveis, do mesmo modo que uma democracia só o será se também for feminista.

Ana Sofia Roque