Após mais de uma década de reivindicações e lutas nos tribunais e órgãos políticos, população do Bairro de São Francisco vê pesadelo do parque de contentores terminar. Luta do Bloco na rua, na Assembleia Municipal e na Assembleia de Freguesia foi determinante para o desfecho.
A notícia foi um alívio para a população do Bairro de São Francisco, em Camarate, que viu finalmente o seu pesadelo ter um fim. O bairro conhecido por não poder abrir as janelas viu a Câmara Municipal de Loures tomar posse administrativa do parque de contentores existente na Quinta do Gradil, após mais de uma década de luta dos moradores daquela localidade.
Para quem lê a notícia da autarquia, até parece que foi fácil, mas o que muitos desconhecem é que esta luta envolveu processos em tribunal, uma luta intensa da população e reivindicações persistentes junto das entidades competentes, que, não raras vezes, optaram por desvalorizar o problema e passá-lo para segundo plano.
À frente deste enorme combate esteve um nome incontornável: Isabel Figueiredo, representante do Bloco na Assembleia de Freguesia de Camarate, Unhos e Apelação.
Apesar da previdência cautelar interposta pela empresa proprietária do terreno, a partir de agora não poderão entrar mais contentores no local, colocando um ponto final num processo que se arrastava há vários anos nos tribunais.
Um bairro inteiro de janelas fechadas
A população do Bairro de São Francisco, em Camarate, vivia revoltada com duas empresas vizinhas: a Alves Ribeiro e a Repnunmar. A poeira e a sujidade que as suas atividades provocam tornavam o dia-a-dia e a saúde dos moradores, num calvário, impedindo muitos deles de abrirem as janelas de casa. Na verdade, a Repnunmar não dispunha de licença para utilizar o terreno, mas acumulava pilhas de contentores paredes meias com os quintais dos moradores do Bairro de São Francisco.
O caso chegaria ao Ministério do Ambiente e até ao Ministério Público, depois de muita pressão dos moradores em conjunto com associações ambientalistas e outras entidades ligadas ao ambiente. O caso levou a protestos, abaixo-assinados e conduziu, por diversas vezes, os moradores a várias reuniões de Câmara e da Assembleia Municipal de Loures, mas a resolução arrastava-se sem fim à vista.
Os moradores não se ficaram pela Câmara e enviaram cartas ao Ministério do Ambiente e à CCDR-LVT - Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, reclamando pelo crime ambiental de que estavam a ser vítimas. Daí à barra do tribunal foi um pequeno passo.
A importância decisiva do Bloco no desfecho final
Em março de 2017, o deputado Jorge Costa e uma delegação do Bloco de Esquerda visitava o Bairro de São Francisco, tendo sido o primeiro partido a procurar aferir, in loco, da situação vivida no local.
Paralelamente, o Grupo Parlamentar bloquista questionava o Governo para saber se as duas empresas – Repnunmar e Alves Ribeiro -, estavam “devidamente licenciadas para a atividade que desenvolvem paredes meias com uma zona residencial e também se na sequência do ofício da CCDR - LVT à empresa Alves Ribeiro, a mesma apresentou o plano para minimizar as emissões difusas” e “quais as medidas que foram implementadas”.
Por fim e atendendo à prevalência de doenças respiratórias que poderá existir naquela zona, o texto do Bloco perguntava se o Governo desenvolveria “os mecanismos necessários para a realização de um estudo epidemiológico para aferir essa situação?”
Em abril do mesmo ano, a Assembleia Municipal de Loures aprovava por maioria a Moção apresentada pelo Bloco “Os Moradores do Bairro Sº. Francisco têm Direito a um Ar Respirável”.
Numa sessão bastante participada, foram muitos os moradores que intervieram para denunciar mais uma vez esta situação e saudando o Bloco pela luta que têm travado ao lado das populações.
A moção deliberava:
1. Saudar os moradores do bairro de São Francisco, a sua Comissão e todas as pessoas que se manifestam em defesa da saúde pública;
2. Reclamar ao Sr. Presidente da Câmara a mobilização dos seus serviços, de modo a que, com a máxima urgência, as empresas Alves Ribeiro, SA e Repnunmar – Logística e Transitos, Lda., atualmente a desenvolverem a sua atividade em terrenos situados paredes meias com uma zona residencial, sejam devidamente licenciadas noutro local, que reúna as condições necessárias para a atividade que desenvolvem;
3. Solicitar à Câmara Municipal, que faça chegar esta Assembleia, no prazo máximo de oito dias, as seguintes informações:
a. Se os terrenos onde se encontram instaladas estas duas empresas, são, ou não, do domínio público municipal;
b. Sendo do domínio público municipal, qual a data e porque prazo, foi celebrado o Contrato de Concessão de Utilização Privativa daquele espaço, bem como os valores mensais que estão envolvidos;
c. O tipo de licenciamento que foi concedido a estas empresas e em que data, sendo que esta zona residencial já existia muito antes da instalação daquelas empresas.
A Moção foi aprovada com 28 votos a favor e 10 abstenções, merecendo destaque pela negativa os 3 votos contra nomeadamente: Presidente da Assembleia Municipal (CDU), presidente da freguesia de Lousa (PSD) e o mais significativo: presidente da Freguesia de Camarate, Unhos e Apelação (CDU).
Candidata bloquista compensa inércia da autarquia
Em outubro, o Bloco apresentava Isabel Figueiredo como candidata à Assembleia de Freguesia de Camarate, Unhos e Apelação. Estava traçado o ponto de viragem. Ao mesmo tempo, o candidato à Câmara Municipal de Loures, Fabian Figueiredo, traçava como prioridade para o mandato seguinte “tirar unidades fabris poluentes das proximidades dos aglomerados habitacionais, como é o caso da Repunmar e da Alves Ribeiro, em Camarate”. Seria a pedra de toque para a luta que se avizinharia.
Em novembro, o eleito na Assembleia Municipal pelo Bloco de Esquerda, elegia como prioridades trazer os temas mais importantes para a vida coletiva e fazer as batalhas políticas pela democracia e pela cidadania. “Trazer a esta sede, através da nossa voz, os problemas concretos dos nossos munícipes, como foram os casos da destruição dos Lavadouro de Ribas de Cima, a poluição ambiental no Bairro de São Francisco, em Camarate, o complexo problema da Associação Chão dos Bichos, de forma a dar solução a centenas de cães e gatos abandonados”, dizia na altura Carlos Gonçalves.
Sem respostas nem resultados, o deputado municipal do Bloco de Esquerda remetia, em junho de 2019, uma recomendação à Assembleia Municipal para evitar que a Câmara licenciasse a atividade da Repnunmar no local.
Recorde-se que a Câmara Municipal de Loures havia intentado uma ação de despejo à Repnunmar – Logística e Trânsitos, Lda. –, ordenando a cessação da utilização do espaço e a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da sua utilização como parque de contentores. Mas, ao ser notificada da ação de despejo, a Repnunmar, deu entrada com uma providência cautelar no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Então, a 30 de maio, o tribunal proferia a sentença relativa à providência cautelar interposta pela Repnunmar na sequência da ação de despejo movida pela Câmara Municipal de Loures. O tribunal entendeu a posição dos moradores daquele bairro no que respeita à garantia de salubridade e qualidade de vida, nomeadamente daqueles cujas casas se encontram junto ao parque dos contentores, mais prejudicados pela poeira e pelo ruído.
E mencionou ainda a inércia da Câmara Municipal de Loures, pelo facto de ter deixado perpetuar a violação da legalidade urbanística durante nove anos, descurando o interesse público candente, no que respeita à garantia de salubridade e qualidade de vida da população do Bairro de S. Francisco e bairros periféricos.
Contudo, o tribunal não decidiu pela permanência ou pelo despejo da empresa Repnunmar do terreno que ocupa atualmente, tendo condicionado essa decisão a várias condições resolutivas.
“Está nas mãos da Câmara Municipal de Loures a saúde, qualidade de vida e proteção do meio-ambiente de todo um bairro, onde existe uma escola básica e onde, durante quase uma década, grande parte dos seus moradores viveu sem poder sequer abrir as janelas”, apontava na altura Fabian Figueiredo, dirigente nacional e coordenador da concelhia de Loures do Bloco de Esquerda.
“Chegou a hora de reparar os moradores pelos anos em que a empresa operou ilegalmente naquele espaço, encontrando um local alternativo e adequado para o efeito e que permita que esta empresa exerça a sua atividade no estrito respeito pelo RPDM e pelas populações deste concelho”, acrescentava Fabian Figueiredo.
“É essencial, de uma vez por todas, colocar os interesses das populações acima dos interesses económicos, protegendo famílias, património e meio-ambiente”, sublinhava o responsável bloquista.
Na Assembleia Municipal e na Assembleia de Freguesia: a mesma luta, a mesma determinação
Além de insistir com frequência na Assembleia Municipal, o Bloco matinha o assunto na ordem do dia na Assembleia de Freguesia de Camarate, Unhos e Apelação, onde Isabel Figueiredo, representante bloquista eleita, recusava qualquer solução que não fosse a retirada imediata dos contentores das imediações do Bairro de São Francisco.
Foi assim que, em março de 2018, Isabel Figueiredo defendeu sozinha e contra todos os restantes partidos do hemiciclo – PS (executivo), CDU e PSD – uma “solução” apresentada pela Repnunmar que, mediante algumas alterações “cosméticas” permitiria a manutenção do parque de contentores à porta dos quintais da população daquele bairro. Isabel Figueiredo recusou-se, inclusive, a assinar a ata da reunião com o representante da Repnunmar, mantendo o seu compromisso com os moradores até final.
Quase uma década depois da primeira carta enviada ao então presidente da Câmara Municipal de Loures, Carlos Teixeira, no longínquo ano de 2002, e depois de uma luta sem quartel em várias frentes – judiciais e políticas – o esforço dos moradores e dos representantes do Bloco de Esquerda parece ter finalmente dado frutos e terminado com o pesadelo da população do Bairro de São Francisco.