Na abertura do debate marcado pelo Bloco, Catarina Martins lembrou que “as trabalhadoras da antiga Triumph completam hoje 20 dias de vigília, à porta da fábrica”, defendendo um urgente “combate à fraude e à impunidade, para impedir mais insolvências que são, na verdade, um assalto aos trabalhadores e ao país”.
Esta quarta-feira, no parlamento, a sessão plenária começou com um debate de atualidade marcado pelo Bloco de Esquerda, sobre a “situação dramática” das quase 500 trabalhadoras da TGI-Gramax (antiga Triumph Internacional), ameaçadas com o desemprego e com salários em atraso, desde novembro do ano passado.
Considerando que “a luta das trabalhadoras da Triumph é a da dignidade do país”, Catarina Martins contou a “historia de uma fraude”: a da deslocalização da produção téxtil da multinacional Triumph e venda da fábrica a um fundo de capital de risco chamado Gramax Capital, “que faz negócio a comprar e vender empresas industriais europeias, muitas vezes liquidando-as - veja-se o seu cadastro de insolvências”.
“Antes da venda, a própria Triumph fez encomendas à fábrica garantindo por um ano a produção da Gramax”, contou Catarina, lembrando também que “a operação incluiu um número com presença do Ministro da Economia e tudo, celebrando o novo investimento e apresentando a desgraça como conquista”. Agora, concluiu a Coordenadora Nacional do Bloco, “o país vê mais uma fábrica fechar, outra vez uma unidade que recebeu apoio público ao longo dos anos, mais perda de capacidade produtiva, mais um crime social: 500 pessoas no desemprego”.
O Bloco defende “justiça” e exige ao Governo “que garanta a proteção dos trabalhadores durante o processo de insolvência e que intervenha para defender a capacidade produtiva e permitir que a fábrica reabra”, disse Catarina. Além disto, o Bloco defende ainda que é urgente “uma política de investimento que salvaguarde a capacidade produtiva” e um “combate à fraude e à impunidade, para impedir mais insolvências que são na verdade um assalto aos trabalhadores e ao país”.
Transcrevamos aqui a intervenção completa de Catarina Martins:
Senhor presidente, senhoras e senhores deputados, senhoras e senhores membros do governo,
Estou aqui para vos contar a história de uma fraude.
Uma multinacional com marca conhecida, a marca de lingerie Triumph, e com uma importante quota de mercado na Europa e em Portugal, decidiu deslocalizar a sua produção e encerrar a fábrica que tinha em Portugal há mais de 50 anos.
A Triumph sabia que este processo tem custos. Com quase 500 trabalhadoras que dedicaram a sua vida à fábrica, teria de pagar as indemnizações a quem tem mais de 20, 30 anos de trabalho. Com benefícios fiscais e outros apoios públicos que recebeu ao longo dos anos, a deslocalização da Triumph levantaria problemas de incumprimento de legislação europeia. E a fuga de uma unidade com tamanho custo social implicaria pesadas consequências na imagem da Triumph.
Que fez então a multinacional? Antecipou a deslocalização um ano, passando a fábrica a um fundo de capital de risco chamado Gramax Capital, que faz negócio a comprar e vender empresas industriais europeias, muitas vezes liquidando-as - veja-se o seu cadastro de insolvências.
Antes da venda, a própria Triumph fez encomendas à fábrica garantindo por um ano a produção da Gramax. A operação incluiu um número com presença do Ministro da Economia e tudo, celebrando o novo investimento e apresentando a desgraça como conquista.
Mas a desgraça tinha data marcada. A deslocalização é consumada e a produção arranca noutras paragens. A Triumph cessa encomendas e a fábrica de Sacavém pára. A nova empresa nunca foi um novo investimento mas apenas um biombo.
É então que quem dedica a vida à fábrica vê o chão fugir-lhe debaixo dos pés. E o país vê mais uma fábrica fechar, outra vez uma unidade que recebeu apoio público ao longo dos anos, mais perda de capacidade produtiva, mais um crime social: 500 pessoas no desemprego.
Só para a Triumph tudo pode correr bem: livra-se de responder sobre regras europeias - tecnicamente, não foi a Triumph que encerrou a fábrica; e já passou mais de um ano desde que recebeu apoios públicos. Livra-se também de custos de imagem - a indignação pública atingirá o nome de uma empresa desconhecida, protegendo a imagem comercial da Triumph.
Acresce que a responsabilidade pelas indemnizações a pagar recai também na Gramax. Abandonados por uma multinacional sólida, os direitos dos trabalhadores ficam nas mãos de quem só soube descapitalizar a empresa.
Esta é também a história de uma luta. Completam-se hoje 20 dias, 500 horas de vigília cumpridas pelas trabalhadoras à porta da antiga Triumph em Sacavém. Dia e noite, frio e chuva, sem arredar pé, para impedir que a Gramax, insolvente, lhes roube ainda o património - roupa, máquinas - da fábrica que ajudaram a construir com décadas de trabalho.
Guardam as portas da fábrica porque sabem que, se um dia as portas se fecharem definitivamente, este património da fábrica é a garantia de uma mínima compensação - sempre menor do que a garantida por lei.
A todas estas mulheres - às trabalhadoras que hoje aqui estão nas galerias do Parlamento e às que estão à porta da fábrica - quero prestar, em nome do Bloco de Esquerda, uma homenagem merecida.
A luta destas trabalhadoras e trabalhadores não precisou de afetos presidenciais, visitas de governantes ou expressões de caridade para conquistar o seu lugar. Muito nos dizem essas ausências sobre quem não apareceu. Mas o caso da Triumph é um caso nacional porque não é um caso isolado e porque é um exemplo de tenacidade de quem à empresa só deu a sua força e o seu melhor. Essa é já uma vitória das mulheres e homens da Triumph, porque derrubaram o biombo da Gramax e desmascararam a fraude. A sua luta é a da dignidade do país e o Bloco de Esquerda não é daquele país que prefere olhar para outro lado.
A indústria em Portugal, na última década, perdeu 4 em cada 10 trabalhadores. Perdemos capacidade produtiva, aumentou a dependência das importações e agravou-se a balança de pagamentos do país. Vezes demais em insolvências mal explicadas e pior geridas. Vezes demais com trabalhadores à porta das empresas para tentar garantir o que é seu por direito. Vezes demais, condenando operárias e operários especializados ao desemprego de longa duração e à pobreza.
Três urgências nos interpelam:
I. Em primeiro lugar, uma política de investimento que salvaguarde a capacidade produtiva instalada no país e trave esta sangria. Portugal pode e deve ter uma política industrial e assumir responsabilidades públicas.
II. Em segundo lugar, o combate à fraude e à impunidade para impedir mais insolvências que são na verdade um assalto aos trabalhadores e ao país. É tempo de rever toda a legislação relativa às insolvências, priorizando o que conta: postos de trabalho, salários e direitos dos trabalhadores, proteção da capacidade produtiva, forte penalização do abuso.
III. Finalmente, uma resposta concreta para o caso dos e das trabalhadoras da Triumph, que estão sem salário desde novembro. Nalguns casos, é toda a família que trabalhava na Triumph. Devemos-lhes apoio imediato, garantia de que os seus créditos são integralmente pagos e uma solução para o dia seguinte.
Se à justiça se pede justiça, ao Governo exige-se que garanta a proteção dos trabalhadores durante o processo de insolvência e que intervenha para defender a capacidade produtiva e permitir que a fábrica reabra. Se tudo falhar e não existir solução que impeça o encerramento, o Governo deve reconhecer a necessidade de uma resposta social, de formação e de emprego para estas 463 pessoas.
As trabalhadoras da Triumph estão há 20 dias à porta da empresa. Protegem-se umas às outras, em solidariedade. A sua luta é um exemplo de dignidade. Que se lhes faça justiça não é apenas uma urgência, é uma exigência da democracia.