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40 anos, 25 de Abril

25 Abril

40 Anos da Revolução de Abril

25 de Abril 1974 - Nessa noite começou afinal a festa de uma pátria que se queria livre, soberana e em paz, que ansiava por vir para a rua lançar as bases de um futuro democrático solidário e progressista. Comemorar hoje os 40 anos dessa noite é proclamar o direito a resistir de um povo em nome dos valores e dos princípios que nortearam na sua histórica ação libertadora, os militares do MFA. Mais, é proclamar que se Abril fosse um verbo, só deveria ser conjugado no futuro.

A revolução foi feita pela força de quem tem a certeza que o empobrecimento não é o nosso fado natural, a democracia cresceu na convicção que esse país fechado sobre si próprio "foi um sonho mau que já passou, foi um mau bocado que acabou".

Os cravos vieram para rebentar com o provincianismo atávico. Devolver a esperança e renascer o orgulho. Substituir a ideologia da pobreza pela coragem de fazer melhor e a esperança de almejar mais além.

As modernidades política e cultural, inauguradas com a revolução, trouxeram-nos a ambição de ser europeus de pleno direito. A coragem de nos inspirarmos nos melhores exemplos e reclamá-los como nossos. A universalidade nos cuidados de saúde, a proteção na velhice, a equidade de oportunidades do sistema educativo. Abril foi ser mais alto.

O 25 de Abril foi também um manifesto contra a resignação e a passividade, foi um imenso “coro da primavera” como diria Zeca Afonso, que saltou para as ruas e para as praças, e foi um enlace fraterno entre todos os que não estavam dispostos a esperar mais.

A democracia mobilizou um país. Uniu-o, nas suas diferenças, em torno de dois ou três consensos que perduraram quatro décadas. Portugal não pode viver isolado, e abrimo-nos ao mundo; Portugal não está condenado ao empobrecimento, e construímos um estado social. Temos orgulho nisso.

O estado social que construímos lembra-nos o que somos: solidários. Orgulhosamente solidários.

O estado social tem o peso exato da nossa democracia. É imperfeito,como tudo na vida, e temos a ambição de que seja melhor e mais presente. Mas nunca passou pela cabeça de ninguém voltar atrás, desistir da dignidade, quebrar os consensos fundadores da democracia.  Até agora.

Nunca, como hoje, um governo fez do revanchismo social a sua imagem de marca. Na verdade, o país está hoje sob o efeito de um duplo resgate.

O resgate financeiro, claro. A chantagem da dívida é o argumento para a imposição da austeridade que mata a economia e o país. Quanto mais cortam, mais gente no desemprego, maior a recessão, mais dívida se acumula. Não é um acidente. Nem falta de jeito ou mera incompetência.

É um plano deliberado para uma violenta transferência dos rendimentosdo trabalho para o capital financeiro.

E o resgate da memória, efetuado por uma direita sedenta por reescrever a história.

Sobretudo se pensarmos nas centenas de milhares de desempregados e de idosos condenados a viver na mais ignominiosa miséria, nas centenas de milhares de jovens com formação superior com competência e talento, que percorrem revoltados as novas rotas da emigração, em muitos casos para nunca mais voltarem, e já agora também a insultuosa impunidade dos banqueiros e outros vampiros que fazem apodrecer a nossa democracia com a sua arrogância, com a sua ganância e com a cumplicidade de quem os mantem fora da prisão enquanto todos pagamos pelos escandalosos buracos financeiros com que ajudaram a destruir a nossa economia e a nossa credibilidade externa. Afinal era mesmo verdade o que dizia a canção: “eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada”.

A reconfiguração do Estado a um papel mínimo e a uma lógica assistencialista, é-nos apresentado como uma inevitabilidade insofismável. O preconceito ideológico de uma direita radical é travestido de ciência exata.

Mas esta ideologia radical, precisamente por representar uma rutura com todos os consensos nascidos em abril e fomentados por quatro décadas de democracia, precisa dos seus mitos fundadores.

Daí o embuste permanentemente encenado por um primeiro-ministro que nos diz que o Estado é gordo, pesado e ineficiente. Que foi o seu peso que nos trouxe a crise. Vivemos todos acima das nossas possibilidades, dizem-nos.

Nesta cruzada contra tudo o que é público, pouco importa a PassosCoelho e Paulo Portas que todos os números desmintam o seu discurso.

Pouco lhes importa que Portugal seja um dos países da Europa aonde se trabalha mais horas por ano.

Que o orçamento da Educação, da Saúde, ou mesmo o peso dos salários da função pública, fiquem abaixo da média europeia.

Se evocamos os 40 anos do 25 de abril de 1974 e o que esta data representou para o povo português, é porque fazemos da memória uma arma e não esquecemos um tempo que não queremos de volta. Mas ele está aí, com pés de veludo às vezes, outras vezes à bruta.

Testemunhamos um inimaginável retrocesso civilizacional; a desvalorização do trabalho, o desmantelamento do estado social, o desprezo pelas pessoas, a conspiração da finança sem rosto e sem pátria.

Queremos por isso um tempo em que mais ninguém nos venha dizer que “a vida das pessoas não está melhor, mas que a vida do país está muito melhor”. Não, não é este o caminho para um país novo. Importa por isso, e recordo palavras de José Afonso “manter a capacidade de indignação e sermos capazes de rejeitar a hipocrisia dos detentores do poder”, porque quem tanto sonhou com o 25 de Abril não se pode contentar com tão pouco.

A direita no poder em Portugal rasga o contrato social de Abril para tentar reconfigurar as maiorias sociais e abrir caminho à transformação do estado social em estado assistencial.

É o sonho da direita: responder às obrigações do povo, não com os direitos e a dignidade próprias da cidadania, mas com a prepotência de dar como esmola o que é devido por direito.

Não nos enganemos. Esta é uma escalada sem fim. Aceitar que a cantina social substitua o subsídio de desemprego está a escassos degraus de aceitar o fim da democracia.

O estado social é o cimento da democracia, a coesão solidária que nos faz cidadãos. Porque a democracia não existe sem liberdade, e não há liberdade sem dignidade e sem igualdade, é a liberdade que esta direita coloca em causa.

Uma direita apostada na degradação de todos os espaços da democracia; da concertação social ao Parlamento, da comunicação social ao seu próprio governo e até ao Presidente da República. Perguntamo-nos hoje: como pode um governo, que não respeita a constituição que o legitima, ser governo? Ou mesmo, onde estão agora os limites da austeridade?

Um povo condenado a ser pobre emerge novamente como discurso oficioso de quem governa o país. Mas aonde esta direita quer resgatar a memória coletiva de um povo, existirá sempre quem diga presente. Aqui estamos, para disputar a história.

Abril conquistou a liberdade e a democracia com luta, participação, mobilização. A mesma mobilização de que hoje precisamos para recuperar poder sobre as nossas vidas. Dizer não à troika, renegociar a dívida, respeitar todos os nossos compromissos, o primeiro dos quais é o contrato social, a dignidade.

A democracia não é uma lei da física, independente das nossas vontades. A democracia é o nosso exercício quotidiano dessa vontade. Porque, afinal, onde está a fonte do poder?

Sabemos a resposta: está no Povo. Mas a simplicidade desta resposta tem séculos de construção. A deslocação da fonte de poder da Nação para o Povo foi um longo caminho de lutas e conquistas.

A pergunta a que hoje respondemos é se queremos voltar para trás. NÃO queremos, e NÃO deixamos!

Esse povo real, de gente que luta e trabalha, de gente que nãodesiste, esse povo que se reencontrou nas ruas e em todas as vezes que a Grândola teve voz. Quando o povo encheu a rua foi essa a reivindicação absoluta que deixou: que nos devolvam o que somos e o que queremos, porque o Povo é quem mais ordena.

Que venha um tempo em que a esperança não seja todos os dias assassinada, que venha um tempo em que os velhos não sejam considerados um fardo e que os novos tenham lugar e futuro nesta terra que também é deles, e esse tempo é agora, é o nosso. 40 Anos depois de abril a sua senha continua atual:

“Grândola vila morena/ terra da fraternidade, o povo é quem mais ordena, dentro de ti ó cidade”esta é a melhor maneira de celebrar os valores da liberdade e da democracia, é dizer que a voz do cantores de então continua viva e atuante com Zeca Afonso sempre presente nas nossas saudades de futuro, esta é a nossa forma de proclamar o nosso direito a resistir de novo em nome do futuro das novas gerações, em nome dos nossos direitos de cidadania em nome de um Portugal que queremos livre, respeitado e soberano, sem a subserviência ultraliberal do beija-mão a quem nos controla domina e comanda.

Só me resta dizer, tenhamos a coragem de nos indignarmos neste Abril e em todos os outros que nos falta cumprir, sempre com uma certeza. A mesma de há 40 anos connosco Portugal não se irá render.

Hoje, mais do que nunca, é preciso devolver a voz ao Povo português para que ele seja senhor do seu destino e inaugure uma nova madrugada.

Viva o 25 de Abril! Viva Portugal!    

 

 O eleito do Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal de Loures

25 de Abril de 2014  

 

Carlos Gonçalves